Wicca Na RHBN maio de 2010.

Sempre leio a RHBN (Revista de História da Biblioteca Nacional) na minha opinião a melhor revista de grande circulação que trata de História com seriedade. Sempre traz em suas edições artigos e entrevistas com historiadores nacionais de peso. Pois é, na edição de maio de 2010 (novinha) o dossiê da revista é sobre a feitiçaria, suas expressões no Brasil, os padres mandigueiros, as curas mágicas. Claro que me chamou a atenção primeiramente o artigo de Carlos Roberto Figueiredo Nogueira, historiador que é sem dúvida um dos expoentes da pesquisa sobre o tema. Sou um admirador de seus trabalhos. Os quatro primeiros artigos do Dossiê eu achei muito interessante, o problema é o quinto artigo intitulado "Bruxaria ontem e hoje" assinado por Vivi Fernandes Lima, infelizmente esse deixou a desejar (e muito). Não gosto muito de fazer criticas, mas é que pesquiso justamente a História da Wicca e de seu fundador Gerald Gardner. Bom vou pontuar alguns erros que me levaram a escrever esse artigo: Bom, em primeiro lugar falta referencias sobre a autora do texto. Isso na minha opinião mostra como o assunto ainda é desprezado por pesquisadores no Brasil. Estou exagerando? Não. Procurei e não achei nada sobre a autora. Pelo conteúdo do artigo a autora deve ser praticante da wicca. Nada contra, tenho amigos que praticam a wicca e sou apaixonado pelo tema. Mas é que na RHBN deveria ser alguém mais imparcial para abordar o tema, questão do outsider lembra?. A  imparcialidade é muito marcada dentro de minha formação, sou historiador e Cientista da Religião, portanto quando se trata de estudar novos movimentos religiosos (NMRs) como são conhecidas as expressões de religiosidade nascidas a partir da metade do século XX  (pós-guerra), é importantissimo nos valermos de uma metodologia mais séria e abordarmos o tema com respeito e imparcialidade, começando por convidar algum especialista no assunto. Em segundo lugar, o artigo só se baseia praticamente na opinião de um adepto, o bruxo e sacerdote wiccano Millenium. Tenho certeza que muitos concordam com suas opiniões, mas também tenho certeza, na mesma medida que muitos também não concordam, a wicca não é uma religião sistematizada, é uma forma de religiosidade muito dificil de ser conceituada dentro do que estamos acostumados a pensar religião. não há um corpo doutrinário específico, existe sim formas semelhantes e elementos em comum, mas nada que seja tido como dogma sistemático. Claro que dentro de uma perspectiva sociológica e antropológica sou inclinado a pensar a religião, ou seja conceituar a religião nos moldes de Clifford Gertz, numaz tíade  simbólica abrangendo mito, rito e ethos. A wicca também tem um viés individualista próprio  das novas configurações que caracterizam os NMRs, seria como o peregrino de Danièle Hervieu-Léger, o religioso errante (eu sei que soa um pouco pejorativo, mas não entenda desse modo). Também seus adeptos estão próximos do estilo "Nova Era" (tão bem explorado por Leila Amaral em seu livro "Carnaval da Alma") de lidar com a religião. A participação de Gardner na criação da wicca é praticamente minimizada no artigo, apenas destacando seu papel como o responsável pelo ressurgimento da bruxaria. Muitos wiccanos nem mesmo aceitam que Gardner teve tanta importancia assim, o que eu penso o contrário, mas os wiccanos fanáticos que me perdoem, "ressurgimento" é um termo completamente discutível. Mas se fizermos uma analise histórica veremos que Gardner é sem dúvida o homem que criou a wicca, modernizou os rituais? Depende se partirmos do ponto de que a wicca é uma forma de culto ancestral de fertilidade  nos moldes descritos por Murray, a própria vai dizer que Gardner modernizou sim, Murray descreve claramente isso na introdução de "A bruxaria hoje" de Gerald Gardner. E essa é uma discussão que sinceramente não sei porque ainda existe. Parece que para muitos wiccanos reconhecer a criação da wicca por parte de Gardner soa ofensivo (deve ser pelo fato de Gardner não reconhecer a si próprio como fundador de uma nova religião). Uma coisa interessante que os pesquisadores e cientistas da Religião notam nas diversas religiões é que todas surgem como tentativa de recuperar um estado perdido, a volta a algo que se perdeu. O cristianismo foi assim perante o judaísmo, ele apenas reconfigurou os três sinais (mito, rito e ethos) presentes no Judaísmo. Aidan Kelly um pesquisador que se debruçou no assunto e mexeu com os nervos dos wiccanos ao dizer que a wicca foi puramente uma invenção da cabeça de Gardner escreveu um livro provocador (Inventing the witchcraft)que mostra a apropriação de Gardner de elementos presentes em sistemas de magia cerimonial caracteristicos de grupos e sociedade esotéricas ocultistas, como Golden Dawn, Ordo Templis Orienti e a própria maçonaria. Aidan Kelly destrincha o livro das sombras de Gardner e Doreen Valiente (que no artigo é considerada no masculino, ou a autora do texto não sabe quem é Doreen Valiente, o que acredito não ser possível, ou houve um erro de digitação). Depois a autora cita o trabalho de uma pesquisadora brasileira, Andréia Barbosa Osório. Sabemos que os estudos sobre a wicca no Brasil são pequenos quase inexistentes, mas dos únicos que temos vale citar  não só o de Osório como o de Janluis Duarte, Vânia Coelho, Izildinha Konichi, entre outros. Numa esfera mais ampla qualquer pesquisador ou qualquer interessado em conhecer a HISTÓRIA  da wicca deve ler antes de tudo Ronald Hutton, Aidan Kelly, Philip Heselton, Jeffrey B. Russel. Para uma análise antropológica e desenvolvimento da Wicca em diversos contextos, Douglas E. Cowan (seu livro Cyberhenge, Modern Pagans on the Internet é um trabalho fantástico), James R. Lewis, Judy Harrow, Sabina Maglioco, Sarah M.Pike, Dennis D. Carpenter, Susan Greenwood, e muitos outros. A lista é maior do que pensamos. Para a questão dos simbolos utilizados pelas bruxas modernas, o livro de Vânia Coelho (Ritos encantatórios) é uma boa introdução, apesar de eu não concordar com muitas colocações da autora. Sobre a História da wicca, a dissertação de Janluis Duarte, "A wicca e a invanção das tradições" (não me lembro o nome correto) é um trabalho feito por um pesquisador brasileiro muito interessante e bem escrito, apesar do foco ser mais ligado a questão da tradição, fica claro que seu referencial teórico principal é Hobsbawn, "A invenção das tradições". Para finalizar gostaria de salientar que apesar de o artigo ser precário, ele é uma introdução um tanto quanto parcial que não problematiza as questões mais relevantes da Wicca, mas que lança o assunto, o que é digno de apalusos, numa revista séria de História. Mesmo assim, o velho ditado, fale mal mas fale de mim, conta aqui. Algumas características são tão amplamente repetidas que acabam virando verdades, ou melhor tradição. Segundo Louis Bourne umas das primeiras bruxas do círculo mais próximo de Gardner, este era mais inclinado para a bruxaria africana do que européia, mas como sabemos Gardner fazia uma mistura de elementos de diversas tradições ocultistas presentes no milieu espiritualista da época. Hoje existe uma desrritorialização da Wicca aos moldes de Gardner no que se refere a questão das divindades. Mavesper Cy Ceridwen, uma bruxa brasileira tem um livro chamado "Wicca Brasil" que serve como um guia para que o adepto celebre suas divindades em concordancia com divindades indigenas brasileiras que de certa maneira possuem atributos parecidos. Ah, pela primeira vez consegui ler algo sobre a wicca, que não cita  os mais clichês como Margareth Murray, Jules Michelet, Charles G. Leland, James Frazer ou Robert Graves, isso é realmente surpreendente. E para quem quer saber um pouco mais sobre o debate acalourado em torno da questão se a bruxaria é um culto sobrevivente, até mesmo o grande historiador Jean Delumeau se rendeu a tentação de analisar a questão em seu livro História do "Medo no ocidente", veja o capítulo 12 que tem o sugestivo nome de: "Um enigma histórico - A grande repressão da feitiçaria, Ensaio de interpretação. 1. Feitiçaria e cultos de fertilidade. Para uma análise sobre NMRs ver: "Novos Movimentos Religiosos. O quadro brasileiro"  e "A magia existe?" de Silas Guerreiro. Ainda sobre a questão das novas formas de religiosidade, "Carnaval da Alma" de Leila Amaral, "A Magia" de Antonio Flávio Pierucci, "O Brasil da Nova Era" de José Guilherme Magnani. E por último mas o que considero o mais importante, Rodney Starck e William Sims Bainbridge.

Comentários

  1. Bom dia, Celso. Gostei de seu texto e buscarei adquirir a revista para obter mais informações sobre a fonte que citou para cria-lo, bem como suas indicações de leitura.

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  2. Obrigado S.Thot. Com certeza vale a pena ler a revista, como disse, na minha opinião é uma das melhores de História, pena que ficou devendo uma análise mais substancial no caso da wicca.
    Abraço

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