Uma antiga resenha

Fuçando na sessão de periódicos da CAPES acabei encontrado uma resenha de 1924  do livro The Witch cult in Western Europe  feita por Robert E. Park famoso sociólogo norte americano autor de vasta obra e um dos fundadores da famosa Escola de Chicago. Traduzi o texto, mas quem quiser lê-lo no original eu envio por e-mail. Acho muito interessante essa resenha da época porque nos passa algumas impressões de como o assunto estava sendo abordado e pensado naqueles tempos. 

The Witch Cult in Western Europe. By Margaret Alice Murray. Oxford, England: Clarendon Press, 1921. Pp.xviii+285. $5.65.

     O assunto deste livro é a bruxaria como um culto. A autora faz uma clara distinção entre o que é chamado de bruxaria "operacional" (ativa) e "ritual"(cerimonial). A bruxaria operacional inclui todos os encantamentos e feitiços, professadas por bruxas ou cristãos, para o bem ou para o mal, para matar ou curar. Isto seria parte da herança comum da raça humana. Mas a bruxaria ritual é uma religião. Esta é a tese defendida neste livro, a de que a bruxaria ritual, como conhecida no ocidente medieval, era um culto sobrevivente dos primeiros tempos, primitivo, de uma raça de anões que foram identifcados como fadas e possuiam a sabedoria das fadas, na qual como estudantes de folclore bem sabem são elementos tradicionalmente conectados às bruxas e a bruxaria. 
     Este estudo é baseado principalmente em evidências apresentadas nos processos de bruxaria na Inglaterra e Escócia, e também numa extensiva literatura sobre bruxaria. Este livro é particularmente valioso: (1) porque é baseado diretamente sobre documentos originais; (2) porque ele cita muitos materiais e fontes na língua em que foram escritos; e (3) porque estes materiais são todos análisados e classificados com referência às questões que surgem dos naturalmente dos próprios documentos.
     Depois de uma introdução e um capítulo introdutório sobre a continuidade de religiosidades, crenças e práticas, os fatos são examinados seguindo os seguintes títulos: (1) o deus das bruxas - que segue - o diabo como deus, como humano e como animal; (2) cerimonias de admissão - renúncia e votos, o pacto,  o batismo e a marca; (3) as assembléias - o Sabbath ou encontros religiosos, o esbat ou encontros de negócios; (4) ritos, homenagens, danças, música, o banquete, velas, o sacramento, sacrifícios humanos e animal - palavras mágicas, ritos de chuva e fertilidade; (5) A organização - o oficial, os covens (as assemléias ritualmente organizadas), tarefas e disciplinas; (6) familiares e transformações - o familiar da revelação e o familar doméstico, métodos de obtenção de familiares; transformações em animais.
     Como complemento do que foi discutido e dos materiais mencionados, há um interessante apêndice, um deles sobre a conexão entre fadas e bruxas, outro citando evidencias que mostram que para a autora, Joana D'arc e Gilles de Rais seriam mambros ativos de um culto de bruxaria.
     O terceiro apêndice nos fornece uma lista de alguns dos milhares de nomes de bruxas e bruxos da Inglaterra e da Escócia, em consideração àqueles que de certa forma, por sorte, foram preservados.
     Este livro será interessante para os sociólogos principalmente como uma introdução que lança luz sobre um período tão obscuro e interessante da natureza humana, chamado de fenomeno do diabolismo e culto do diabo.
     O elemento mais interessante sobre este culto é que este deus é o diabo cristão, e que estes rituais  - muito dos quais não são simplesmente sacrilégios - parecem ser concebidos num espiríto de sacrilégios e pervesidades, como se o objetivo do culto não fosse somente a renúncia ao cristianismo, mas também fazer isso do modo mais ultrajante possível.
     Somos informados de que essa é "uma religião alegre, e de tal forma, bastante incompreensível para as mentes tenebrosas dos inquisidores e reformadores que suprimiram-na". Mas este "alegre" não refere-se exatamente à uma descrição de orgias sexuais dos sabbaths das bruxas. Isto não é de qualquer maneira, uma alegria naturalmente ingênua do paganismo, mas muito mais que isso a liberação frenética e muitas vezes insanas de explosões de impulsos humanos suprimidos, em uma intensa rebelião contra as austeridades de uma disciplina ascética para a qual a natureza do homem não tem sido capaz de se adaptar completamente.

____Robert E. Park, Universidade de Chicago.

Comentários:
Como podemos observar, a resenha é de 1924 três anos depois do lançamento do livro de Murray. Robert E. Park é um sociólogo, mas também formou-se em psicologia, por isso acredito que suas observações vão na direção de questões como natureza humana e impulsos suprimidos. Anos mais tarde a tese de Murray que segundo Park teria um futuro promissor como uma excelente introdução sociológica não vingou, e logo caiu no ostracismo, sendo recuperada e mantida viva dentro do neo-paganismo. Outro ponto que me chama a atenção é a questão da preocupação e enfasê de Park sobre no que se refere as fontes. Uma postura positivista de Park é evidente na medida que dá um grande valor à elas como prova de legitimação de um discurso. Claro que não devemos tirar o mérito de Murray, já que até certo ponto concordo com Carlo Ginzburg ao dizer que Murray até estava certa em sua intenção, mas só fez uma leitura errada desses processos. Na minha opinião, seugindo os estudos de Stuart Clark sobre inversão e contrariedade demonológica Murray acabou colocando-os dentro do esquema de inversão, ou seja, Murray inverteu o discurso dos inquisidores baseada nas impressões dos próprios inquisidores, foi uma inversão da inversão. Influenciada por Frazer e com os processos em mãos é óbvio que sua tese tem coerência, apesar de faltar provas para seus argumentos.

Os termos em sublinhado correspondem à tradução da edição brasileira de Getúlio Elias Schanoski Júnior, fiz questão de manter os termos da resenha, por exemplo nas palavras operacional e ritual, a edição brasileira traz os termos correspondentes, ativa e cerimonial, por enquanto acredito que não há uma mudança de sentido nessas palavras. Vale dizer que na nota do editor da edição brasileira à uma observação que diz que a tradução foi feita do inglês original do livro, então acredito que vale confiar.

Fonte da Resenha:
The American Journal of Sociology, Vol. 30, No. 2 (Sep., 1924), pp. 231-232 Published by: The University of Chicago PressStable URL: http://www.jstor.org/stable/2764810Accessed: 08/09/2010 17:20

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