O filme "Caça às bruxas" - "Season of the Witch"


 Ontem assisti ao filme Caça as bruxas, pensei em não escrever nada sobre o filme, (não sou critico, nem um fanático por cinema) mas andei lendo algumas críticas sobre ele e resolvi dar minha opinião. A maioria dessas críticas são relativas a imagem negativa que se tem da bruxaria, outra dessas críticas é relacionada a produção estética do filme, jogo de luz, fotografia, etc. Sinceramente não presto muito atenção em detalhes tão minuciosos como “jogos de luz”, ou coisa do tipo, então não posso opinar sobre esses assuntos. Fui ver ao filme com a intenção de ver se existia uma imagem distorcida da bruxaria, como andei lendo. Vamos aos pontos. Primeiro, o filme começa mostrando uma aldeia em 1235 d.C, entre 1227 e 1235 foi estabelecida a Inquisição papal. Nesta época a mínima suspeita já era prova suficiente para se executar o suspeito. Aliás, “os bispos foram encorajados a ampliarem suas próprias inquisições” (Russel e Alexander 2007, 76), deve ser por isso que a primeira cena do filme é um clérigo cristão ele mesmo julgando e condenando rapidamente três bruxas, que se diga de passagem não são culpadas de nada. (seguindo a lógica do filme).  É uma demonstração pequena (um retrato) de uma época tão rica para a história das inquisições, mas é o mínimo que basta para situar o espectador no contexto da época e no terror a que pretende o filme. Em segundo o filme é ambientado no período das cruzadas, mais precisamente na sétima cruzada, período de uma intensa movimentação entre ocidente e oriente, não só devido as rotas comerciais, mas a freqüentes guerras, o que muitos historiadores vão colocar como causa de rápida disseminação da peste., que é outro elemento presente no filme, uma peste que não é nem uma pré-peste nem a propriamente dita.  Sobre a peste em relação ao contato ocidente e oriente podemos adiantar a afirmação de Hilário Franco Júnior sobre a relação da doença com as cruzadas. Segundo o autor: “Também a peste, de certa forma, resultava da desmedida expansão do período anterior. Sempre presente no Oriente, ela atingiu a colônia genovesa de Caffa, na Criméia, expressão da expansão territorial e comercial do Ocidente. Contra essa presença ocidental, os tártaros cercavam a colônia italiana quando a peste se manifestou em seu exército. Recorrendo àquilo que Jean-Noël Biraben chamou de “inovação na guerra bacteriológica” (BIRABEN: I, 53), eles arremessaram cadáveres infectados por cima das muralhas genovesas” (JÚNIOR 2001, 273). Sobre essa questão vale colocar que a peste do século XIV foi a mais famosa e bem documentada, porém outras doenças, e também a mortífera peste, já faziam vítimas antes, aliás, o clima medieval do filme é muito bem retratado, corpos estendido para todo lado e valas comum, além de um ambiente de sujeira e podridão nas vilas. Mas a peste do filme não faz parte do período da última grande peste, essa começou só no século XIV, portanto a peste retratada no filme, deve ser algo muito regional e localizado, tanto que os dois personagens principais que voltam das cruzadas nem estavam sabendo da calamidade. Mas o filme faz questão de ambientar um cenário de doença e morte, a mortandade é tanta que um dos personagens do filme, Eckarth, descreve que a peste mata na proporção de 3 para 4, um número grande. Vale dizer que os relatos de números exageradamente exorbitantes da peste do século XIV, Baixa Idade Média, referem-se ao que seria o renascimento da peste do século VIII. Numa cena do filme aparece os flagelantes, muito bem colocado no filme, creio eu, mostrando a questão escatológica da Idade Média. Antes a auto flagelação era tolerada pela Igreja como forma de penitência individual por assim dizer, mas no filme o caráter coletivo chama a atenção, é a penitência a favor de toda a humanidade. Sobre a bruxaria, o filme não retrata uma época de “caça as bruxas”, a Idade Média não teve um fenômeno que valeria esse nome, como coloca Jean-Claude Schmitt, a famosa “caça as bruxas” é um fenômeno essencialmente moderno, no máximo a Idade Média viu sua gênese (Schmitt 2006, 239). Nessa época não havia a imagem de sabás, pactos com o demônio e todos os elementos característicos da literatura demonológica presente na Idade Moderna. A perseguição era contra a feitiçaria, de maneira geral e não contra os “servos de satã”. O filme nos elementos mais gerais de seu contexto segue fiel ao que se entendia por bruxaria, não há uma imagem negativa da bruxa, há a imagem do que a Igreja acreditava ser uma bruxa, queira ou não a História não nega, acusados de bruxaria eram julgados e condenados pela Igreja. Não adianta querer se apropriar de uma imagem (no caso a categoria “bruxa”) na tentativa, eu repito, na tentativa de apagar o que está na História. (quanto a essa questão recomendo a leitura do artigo, aqui no blog, de Margot Adler sobre o revisionismo histórico no neo paganismo) Além do mais a bruxa do filme, no final das contas nem é bruxa, é uma espécie de Emily Rose medieval, está possuída pelo Diabo, por sinal muito mal feito. Toda a ênfase que se dá na Idade Moderna principalmente, em relação aos ardis do Demônio como um mestre da persuasão e mentira estão presentes de forma simplificada em pequenos momentos em que o padre da comitiva que está levando a bruxa, diz para os outros para terem cuidado com a bruxa, pois ela pode sentir o fraco do coração dos homens. “Ela pode enganar”, elementos muito característicos dos tratados de demonologia. Todo foco do filme está num livro pseudepigrafo, conhecido no universo do ocultismo, “A clavícula de Salomão” um livro de conteúdo gnóstico e cabalístico escrito por volta do século XII no Império Bizantino, devido principalmente a seu conteúdo sincrético de elementos místicos, na época em que se passa o filme sabe-se que versões gregas e em latim do livro circulavam pela Europa. A magia cerimonial é dirigida pela vontade do mago, sendo assim o espírito está subordinado ao mago em um dado momento para um fim específico. Além disso, é interessante ressaltar que o livro é sempre manuseado pelo clero, o padre que o lê, os clérigos que o copiam, pois a magia cerimonial não era parte do ambiente popular, analfabeto, os procedimentos exigiam leituras complexas, ritualísticas, que somente quem conseguia ler e interpretar podia entender. No filme um aspirante a cavaleiro também aparece como uma pessoa capaz de ler o livro. Um livro tão importante no desenrolar do filme, e que no final é quase um mero coadjuvante da bagunça toda. Poxa, é a clavícula de Salomão, um livro de magia cerimonial e rituais, não  é o "Ritual de exorcismos e outras súplicas" da Igreja católica. Sendo assim, poderia haver um clima melhor para terminar o filme, sei lá prender o Diabo num círculo, alguma coisa do tipo. Enfim, o filme descamba para a heresia mais comum da Idade Média, o maniqueísmo, o bem contra o mal, o mal como já disse, muito mal feito, apesar de estar quase de acordo com as representações medievais, asas, chifres, uma forma bestial bem semelhante as orientações canônicas do período. Minha opinião é que “caça as bruxas” é um blockbuster do tipo guaraná e pipoca, sendo assim, não adianta querer achar chifre na cabeça de cavalo. Imagine o exorcista + o nome da Rosa + Harry Potter = Caça as bruxas. Uma salada digna de uma imaginação medieval (no sentido pejorativo mesmo). Eu recomendo, mas só se for no dia de promoção.

Comentários

  1. Achei este filme um elogio à igreja católica, pois graças às leituras dos monges e suas cópias eles conseguiram exorcizar o demônio. Mais um filmezinho de aventura com efeitos especiais bobinho. Vai passar mil e trocentas vezes na Net daqui a um tempo.

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  2. Um eleogio à Igreja católica, depende. Quem dominava a escrita na Idade Média era a Igreja, sem sombra de dúvida os textos considerados pagãos da Antiguidade cheragam até nós graças a Igreja, isso é inegável. O que esquecemos é que quando miramos e escolhemos um inimigo, no caso a Igreja, também estereotipamos e colocamos tudo num saco só. Não devemos esquecer que a Igreja também é feita de homens, não é dona da verdade por mais que pretenda ser. Acho que muito mais que um elogio a Igreja católica, o filme acabou por utilizar um livro de rituais mágicos, ou seja, venceu o Diabo não com suas armas. Então acho que se fossemos pensar se está ou não havendo um elogio a alguma parte (não consegui vizualizar isso no filme) então acho que faz um elogio a tudo menos à Igreja. Acho que a única tentativa de se estender a população alguma coisa que parece com que entendemos por escola e educação hoje, aconteceu no renascimento carolíngio, e olhe lá, ainda nesse contexto os livros eram enfeitados para servirem de baixela, como se fosse apenas uma louça para enfeitar a biblioteca, ou no máximo como instrumento de purgação, pois cada linha ou palavra escrita por um monge copista devia valer lá seus dias a menos no purgatório. Ainda por cima para complicar, a Igreja nunca teve controle absoluto sobre a mente das pessoas, tanto o é que em relatos do período não é raro encontrar descrições de padres que utilizavam amuletos mágicos ou participavam de festas pagãs.

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