Mulheres


Ontem foi o dia internacional da mulher, vergonhosamente tinha me esquecido, minha noiva por incrível que pareça também. Semana cheia. Coincidentemente assistimos um filme e ficamos conversando sobre ele e sobre a mulher hoje. O filme era “Alexandria” (originalmente “Ágora”, 2009). Eu já tinha lido algo sobre o filme num artigo da “The Pomegranate”, especificamente o último volume, mas nem imaginava que o filme era sobre um período de grande interesse histórico devido a efervescência religiosa da época. Quem vê o filme sem prestar atenção ao contexto do período pode pensar que se trata de uma propaganda anti-cristã, já que os seguidores de Javé são retratados como “fanáticos” caçadores de idólatras (pagãos). O contexto em que o filme se desenrola é o de tensão entre três religiões, os pagãos, os judeus e os cristãos. Hipátia a filósofa neoplatônica protagonista, parece estar distante dessa tensão, não esboçando nenhuma reação contra ou a favor de qualquer religião. Seu interesse esta na filosofia. Mesmo assim o conhecimento da época no que se refere à filosofia, astronomia, parece ser inerente a uma visão pagã. Todo o conhecimento é considerado pagão. Tanto que há um momento do filme em que os cristãos invadem a biblioteca de Alexandria sob permissão do imperador Teodósio e destrói o que consideram a “escória pagã”, montes e montes de pergaminhos e instrumentos científicos. Mas não estou escrevendo este post como uma análise do filme, pelo contrário, acredito que sobre os primeiros cristãos e suas batalhas contra os judeus e pagãos há livros excelentes, e também há um mais interessante ainda que é as acusações dos pagãos contra os cristãos. Para saber um pouco mais sobre isso indico “Cristãos, Judeus e Pagãos, acusações, críticas e conflitos no cristianismo antigo” de Roque Frangiotti, um livro interessante que enfoca um ponto de vista diferente. Vale a pena. Mas voltando ao objetivo do post... Hipátia foi considerada uma bruxa, suas teorias e sua influência sobre Orestes (o prefeito de Alexandria) não passaram desapercebidas. Filha de Theon, renomado filósofo, ela se destacou a frente de seu tempo, sendo uma figura destacada dentro de um mundo dominado por homens. Sua ambição era descobrir o funcionamento da mecânica celeste, mas dentro de uma perspectiva diferenciada do modelo aristotélico e ptolomaico predominantes na época. Sua conclusão que se aproximou da de Johanes Kepler no século XVII (para saber mais, ver o excelente romance do grande físico brasileiro Marcelo Gleiser, “A Harmonia do mundo”, sobre a vida de Kepler). Ela conclui que o círculo é uma elipse com dois focos situados em um mesmo ponto. Uma sacada notável e genial para a época. Claro que tanto conhecimento não passou desapercebido, Cirilo, o chefe dos “parabolanos” (cristãos) logo incentivou sua captura e sua morte, assim Hipátia foi perseguida pelos cristãos, que a pegaram, despiram-na na igreja e apedrejaram-na arrastando seu corpo pela cidade depois queimando. Um fim brutal para uma das maiores mentes da Antiguidade tardia, e quiçá da História, uma mulher que olhava para o céu e pensava em círculos, planetas errantes, teorias aristotélicas, enquanto os cristãos olhavam para o mesmo céu e pensava que o mundo era uma arca, com o solo sendo o fundo e as estrelas a tampa. O diretor Alejandro Amenábar, pode até não ter tido a intenção de mostrar fanatismo cristão dos primeiros tempos, mas com certeza fica claro ao assistir o filme que muito mais do que disputas religiosas e teorias astrônomicas, o que se vê é um relato da conhecimento pagão sendo assassinado pelo fanatismo dos primeiros cristãos. A perseguição contra Hipátia parecia predizer o que aconteceria séculos depois. Pois o principal erro de Hipátia não foi suas teorias e sim ter nascido mulher. Cirilo não incitou os cristãos a caçar uma filósofa, mas sim uma bruxa. Seu ódio era pela mulher que devia ser submissa ao homem. 

Sobre este tema leia o post do blog Wild Hunt que fala sobre a reação dos cristãos ao filme

Comentários

  1. Cara, vc viu no cinema ou em DVD? Tô tentando ver esse filme faz mto tempo, mas não sei onde ver!

    ResponderExcluir
  2. Olá Fernando, assisti em DVD, recomendo o filme é muito bom.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Feministas menos religiosas?

A vida de Carlos Magno contada por um mago