Neoplatonismo e Neo paganismo



Recentemente tive o prazer de ler Witching Culture: Folklore and Neo paganism in America da grande antropóloga Sabina Magliocco da Universidade do Estado da Califórnia. Numa primeira leitura o livro parece uma seguir um roteiro acadêmico padronizado quando se fala da história do Neo paganismo e da Wicca como fontes clássicas, principais autores, aspectos ritualísticos, etc. Mas é lendo mais atentamente e buscando os diálogos que ela estabelece com os teóricos, na grande maioria vindos da Sociologia, que vemos o quão interessante é sua abordagem. Obviamente ela segue o padrão americano em suas análises, ou seja direto e reto e sem rodeios. No fim das contas temos insights interessantíssimos e ficamos com o gosto de que o neo paganismo é um movimento ainda a ser muito estudado principalmente no Brasil.
            O foco de Magliocco, apesar de abranger diversos enfoques do movimento, está principalmente relacionado à bricolagem de elementos folclóricos e antropológicos pelos adeptos. Como se dá a ressignificação ou aceitação de teorias e resgates de leituras relacionadas ao mundo acadêmico sobre povos primitivos ou até mesmo das culturas nacionais.
            Um dos pontos relevantes de sua pesquisa, e que tem me servido muito bem em minhas próprias pesquisas, é a concepção de folklore reclaim, (em tradução livre, reivindicação de um folclore(?)). Magliocco cunha este termo para se referir ao processo de releitura e adoção de teorias folclóricas e costumes pelos pagãos. Tal termo, como a própria autora observa, se mostra mais funcional do que a noção de “invenção das tradições” (no caso do neo paganismo e sua bricolagem com o folclore) cunhada por Hobsbawn.
            A explicação para esta alta receptividade para tais teorias, como por exemplo as de Frazer e até Levy Bruhl está no fato de que há um paralelo de desenvolvimento histórico do neo paganismo com estas teorias. O neo paganismo surge no contexto em que tais teorias tem aceitação, se não tanto no mundo acadêmico, pelo menos entre os antropólogos e folcloristas amadores, como é o caso de Gardner e Leland.
            Outra coisa que me chamou a atenção no livro e que me levou a escrever este post, está relacionado as ligações que Magliocco faz entre o neo paganismo e paganismo clássico. Num primeiro momento fiquei cético em relação a estes links, mas aos poucos a autora me convenceu. De fato há uma relação interessante entre estas duas tendências tão distantes temporalmente. Vale colocar que o paganismo clássico não é um movimento, nem era pensado como uma religião. 


            Os principais elementos desse paganismo clássico estão refletidos nas concepções presentes no Neoplatonismo.
            O Neoplatonismo é considerado uma das últimas grandes filosofias do mundo romano. Surge em Alexandria no Egito e torna-se a filosofia dominante no meio pagão, principalmente entre os séculos III e IV. As origens dessa Filosofia são mal compreendidas. Mas alguns autores (como Jonatham Black) descrevem que

No século II, aqueles que agora denominamos neoplatonistas (vale lembrar que o termo neoplatonismo é moderno) começaram a converter as ideias de Platão nuam filosofia viva, uma filosofia de vida, até mesmo uma religião com suas próprias práticas espirituais. É importante lembrar que, “embora consideremos Platão de uma forma acadêmica seca, seus textos tinham status de escrituras para seus seguidores nos séculos que sucederam sua morte. Os neoplatonistas não se julgam criadores de ideias, apenas escreviam comentários para esclarecer o que Platão quis dizer. Passagens que hoje são consideradas meros exercícios abstrutos de lógica abstrata eram usadas por neoplatonistas praticantes em suas devoções.


A fundação dessa filosofia é frequentemente atribuída a Plotino (205-270). É considerado por muitos como um místico. “Seu discípulo Porfírio contou ver várias vezes o mestre em arroubos de ‘êxtase’, unificado com o “Um”“.
            O ensinamento central do Neoplatonismo era o “Um” que era imaginado como uma unidade divina que era infinita, perfeita e fundamentalmente desconhecida pelos humanos, dada suas limitações. Para os neoplatonistas se o “Um” é imanente de todo mundo natural, então o mundo natural é fundamentalmente bom e todas as coisas no mundo natural são caminhos para o “Um”.
            Segundo Magliocco, Gardner enxergou diversas similaridades entre os ensinamentos dos neoplatonsitas e o coven que ele documentou. Talvez a mais emblemática era a crença na existência de uma grande unidade além da deusa e do deus (esta superação de uma bipolaridade divina, é um dos elementos que fornecem bases para interpretações que enxergam na Wicca uma configuração monoteísta que, obviamente, não é consensual).
            Para Magliocco entre os elementos presentes no Neoplatonismo que possuem similaridades com o Neopaganismo estão: A presença de uma grande unidade ou uma harmonia no Universo, fundamentalmente desconhecida para os humanos mas manifesta através de deidades em todos os aspectos do mundo material e espiritual; O conceito de Universo como um todo integrado, tal como o macrocosmo é um reflexo do microcosmo  e vice versa; A ideia de que a Geometria é uma ciência sagrada, e muitas relações podem ser sumarizadas ou simbolizadas geometricamente; Uma crença na vontade humana; a prática da teurgia, uma técnica usada para trazer os praticantes a um contato místico com a divindade e invocar o poder do Um.

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