Natureza X Cultura nas Religiões Neopagãs


A primeira vista, parece muito amplo nosso recorte exposto no título, mas, como veremos não é. Antes de mais nada devemos explicar melhor nossa intenção. Nosso enfoque no presente artigo será em relação ao discurso que apresenta a história[1] da religiosidade neo-pagã baseada numa religião natural. Sendo assim pretendemos mostrar como a dicotomia Natureza X cultura é superada dentro das chamadas religiões reconstrucionistas. Essa superação, como veremos, acontece na medida em que para os neo-pagãos a religião (religião no sentido de sagrado) é algo inerente ao ser humano desde tempos imemoriais, e também pela valorização de diferentes culturas para composição de seu instrumental religioso.
            Na questão da história apresentada pelos neo pagãos, utilizaremos como linha de análise principalmente as conclusões e apontamentos de autores que fazem uma observações dessas religiões reconstrucionistas através da corrente pagan studies. Esta linha de pesquisa ganhou força nos Estados Unidos e no Canadá principalmente na década de 90, em que vários trabalhos de Antropologia e Sociologia começaram a surgir. Dentro dessa corrente destacam-se autores como Chas Cliffton, Graham Harvey, Sabina Magliocco, Barabara Jane Davy, Sarah M. Pike, Síân Reid, James W. Baker, Tanya Lurhmann, Ronald Hutton, etc. Todos estes autores tem grande influência nas pesquisas sobre religiões neo-pagãs e na wicca, seja realizando uma leitura histórica, sociológica ou antropológica. Nesse artigo, nosso enfoque é a construção de uma história contada pelos próprios adpetos. Como muitas vezes tem-se afirmado, inclusive por muitos deles, essas religiões não possuem livros ou escrituras, mas como descreve Lurhmann (1989, p.238), “a magia é uma cultura literária” e religiões[2] como no caso a wicca não possuem evangelhos, mas tem influência em uma série de textos”. Chas Cliffton e Harvey Graham reuniram esses textos bases do neo paganismo no livro The Paganism Reader (2004). São destes textos que se formaram a idéia de uma historicidade dentro dessas religiões neo-pagãs, nos referimos no sentido coletivo do termo pelo fato de que estes textos são a base comum para praticamente toadas as religiões reconstrucionistas que se enquadram no bojo do neo-paganismo.
            Os neo-pagãos entendem e enxergam sua religião como a forma mais primitiva de religiosidade, por isso frequentemente descrevem sua religião como a “religião natural”. As bases desse pensamento remetem a Frazer[3]. Para este, a  magia era a forma mais primitiva de se entender o mundo. A primeira vista onde muitos viram uma desvalorização da magia, os neo-pagãos viram uma valorização da magia, e reinterpretaram Frazer, descrevendo que este não desvalorizava a magia, e sim valorizava a magia como algo positivo, natural, ingênuo, a verdadeira religião, é claro que essa é uma leitura moderna de Frazer, baseada principalmente numa noção ambientalista ao estilo new age. Os neo-pagãos descrevem que sua religião data dos tempos do Paleolítico, onde a mulher era reverenciada dentro de culturas com enfoques matriarcais, mais tarde com o surgimento das religiões monoteístas, o culto da Deusa foi sufocado e teve que viver cada vez mais na clandestinidade, na idade Média teve que se esconder de vez, e ressurge no século XX. Em resumo essa é a história do neo paganismo vista por seus adeptos (não podemos generalizar pois ultimamente como vimos em outro post há um revisionismo histórico nas pesquisas atuais), dentro desse universo, há elementos que são considerados por eles como metafóricos, mas em geral todas essas premissas são vistas como verdadeiras.


            Dentro dessa concepção de enxergar sua história, vemos que o neo-paganismo entende a religião como sendo um aspecto ou elemento inerente do ser humano, já que para eles a pessoa não se converte ao paganismo, ela sempre foi, mas não havia descoberto isso, a idéia de conversão para eles é praticamente inexistente. Claro que isso é uma teoria discutível. Ela se baseia principalmente na obra descritiva de Margot Adler Drowing down the moon, mais especificamente no capítulo intitulado A religion without converts.
            Em relação à questão cultural do ponto de vista à que se propõe o artigo, o neo-paganismo é uma amalgama de culturas, por isso possuem uma postura de relatividade cultural, na medida em que toda cultura é valida, claro que de acordo com os padrões éticos presentes no neo-paganismo, padrões estes que se baseiam segundo Jane Davy (2007, p.13) “em valores comuns à modernidade, particularmente relativos á democracia, feminismo, diversidade étnica e igualdade”. Esse relativismo cultural então, baseia-se na visão ocidental e não foge aos preceitos de outras religiões, a diferença é que para os neo-pagãos todos os caminhos são válidos.
            As chamadas religiões neo-pagãs e reconstrucionistas não encontram dificuldade, pelo menos a primeira vista em aliar natureza e cultura, mas como havíamos colocado, a idéia de cultura aqui colocada se refere aquela relacionada a idéia de relativismo cultural, que por sua vez está ligada a noção de tabula rasa. Como mostrou Steven Pinker no seu livro “Tábula rasa, a negação da natureza humana” (2004) até mesmo as artes e a religião acabam sendo afetadas dentro da disputa darwinista e culturalista que se deu e ainda se dá no pensamento cientifico ocidental. Para superar essa disputa Steven Pinker descreve (2004, p.204) que “[...] podemos supor que todos os humanos possuem certas características em comum”, e mesmo não citando o termo religião na lista de universais humanos criada por Donald E. Brown, alguns componentes que podemos considerar como parte de muitas religiões está ali, como ritos e ritos fúnebres.

CONCLUSÃO

            Como pudemos perceber a idéia de religião também permeia o universo neo-pagão e isso se confirma com o mito de sua história, mas a noção de relatividade cultural, em que todas as religiões são válidas e devem ser livres de julgamento também se confirma. Portanto essa dicotomia apontada por Pinker é superada de maneira peculiar nessas religiões reconstrucionistas, assim como essas religiosidades conseguem reunir em suas construções uma diversidade de elementos, entendemos que parece não ser difícil para eles aliar natureza com cultura.


BIBLIOGRAIFA

·         ADLER, Margot. Drawing down the moon, witches, druids, goddess-worshippers and other pagans in America. New York (USA): Penguin Books, 2006.
·         DAVY, Barbara Jane. Introduction to pagan studies. USA: Altamira Press, 2007.
·         HARVEY, Graham; CLIFTON, Chas (ed). The paganism reader. New York and London: Routledge, 2006.
·         LUHRMANN, Tanya M. Persuasions of the Witch’s Craft, ritual magic in Contemporany England. Cambridge: Harvard University Press, 1989.
·         PINKER, Steven. Tábula Rasa, a negação contemporânea da natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.



[1] História aqui entendida como metáfora ou mito.
[2] Estou usando o termo “religiões” para esses grupos porque independente do que se discute no Brasil, dentro do campo de estudos do Paganstudies a wicca e o neopaganismo são tratados como religiões.
[3] “O ramo de ouro” é obra insistentemente citada, sua influência vem principalmente de Margaret Murray, egiptóloga discípula de Frazer que lançou a tese de que a bruxaria era um culto pré agrário que viveu marginalizado devido a opressão do cristianismo.

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