Margot Adler sobre o revisionismo histórico na moderna bruxaria neo-pagã

O artigo abaixo foi escrito por Margot Adler logo depois que o livro de Ronald Hutton Triumph of the moon" (1999, lá se vai alguns anos) foi lançado provocando (e ainda provoca) um certo desconforto em muitos bruxos neo pagãos modernos. É um artigo interessante, quase um desabafo de alguém que é wiccana mas também uma estudiosa acadêmica.

Um tempo de Verdades
Wiccanos enfrentam as informações revisionistas de sua história
Margot Adler
Tradução: Celso Luiz Terzetti Filho

            A maioria das pessoas estão familiarizadas com a discussão entre o que se coloca como versão literal e metafórica na história do cristianismo e do judaísmo, mas geralmente desconhecem que  na Wicca tem havido uma discussão similar. Algumas tradições wiccanas buscam nos escritos do século XIX ou nas descrições de covens originais que podem ou não podem ter existido antes de 1930. Outros grupos surgiram da moderna espiritualidade feminina; outros ainda vieram de visões de mestres específicos. Reclaiming, por exemplo, a tradição que veio com Starhawk, foi influenciada pela Tradição das Fada ensinada pelo poeta e sacerdote wiccano Victor Anderson.
            Todas estas tradições tem diferentes pontos de vista, divindades e rituais e cada uma delas, há freqüentemente discussões entre aqueles que querem manter a tradição como ela é e aqueles que buscam mudanças. Isto certamente é o caso da Wicca hoje do ponto de vista acadêmico que sofre uma mudança radical. Novos fatos modelam uma nova realidade, e que alguns de nós - particularmente aqueles que tem um pensamento mais literal - estão resistindo ativamente.

Nada nos impede de abraçar as nossas origens sincréticas enquanto ainda preservamos a cisão única da Wicca moderna, com exceção de nossa própria consciência”

Durante os últimos dez anos, tem-se que Ronald Hutton em seu recente livro “Triumph of the moon” chamou de uma “acumuladora onda de pesquisas” que tem essencialmente varrido muitos dos pressupostos de que a “Velha Religião”, Wicca, se baseou. Dois dos mais básicos pressupostos que tem sido revisado são: a de uma tradição contínua e a crença de que nossa religião teve uma história de perseguição que rivalizou ou até mesmo excedeu os judeus no Holocausto.
            Vamos olhar para o tempo das fogueiras. Na última primavera, o site Beliefnet destacou uma parte do inovador artigo de Jenny Gibbons sobre “A grande caça às bruxas européia”. Para resumir este artigo num trecho: Nós sabemos agora que a maior parte das perseguições às bruxas ocorreram durante um período de 100 anos, entre 1550 e 1650, e o total de números de enforcados ou queimados não excedeu 40.000. Por anos, muitos wiccanos entenderam que a cifra de 9 milhões, tão casualmente veiculada por muitos de nós é uma hipérbole, ainda que este número ainda seja encontrada em incontáveis livros, filmes e novos artigo. Eu confesso que somente no último ano eu disse a um repórter que a cifra era perto de 1 milhão.
            Recentemente, um historiador alemão, Wolfgang Behringer, descobriu a fonte da origem desses 9 milhões. Ela foi usada primeiramente por um historiador alemão no final do século XVIII. Ele pegou o número de pessoas mortas em uma caça às bruxas no seu próprio estado alemão e multiplicou pelo número dos vários anos em que os estatutos penais existiram, em seguida reconfigurou o número para corresponder a população da Europa. Os “Nove milhões” é ainda repetido toda vez que se menciona o “The burning times” em algum filme exibido na TV para o grande público. As descrições chocantes e gritantes mostradas nos filmes sobre julgamentos, torturas e mortes não são anuladas por esta mais nova e apurada pesquisa. Mas serve no fim par perpetuar um erro de cálculo, este é o momento de concertarmos para sempre este números exagerados.
            Milhares de mulheres buscam a Wicca, por que consideram um lugar de honra para elas. Para muitas delas, as religiões em que foram criadas não lhes fornece um caminho para o sacerdócio. O arquétipo da bruxa ressoou com mulheres independentes e que se relacionavam com a natureza e o mundo em seus próprios termos, fora das definições patriarcais da sociedade.
            Não é surpresa que a metáfora da cifra de 9 milhões de bruxas mortas, que começou a ser usada por feministas em 1968, tornou-se um meio de expressar o ódio a misoginia da cultura contemporânea assegurando que enquanto mulher que sua luta contra o estupro, a violência, o abuso doméstica e a desigualdade era válida. Embora essas lutas são de fato válidas em nossos próprios termos, talvez fosse nossa própria insegurança que criou uma necessidade de um holocausto para provar a justiça de nossas batalhas.
            Se os acadêmicos estão redesenhando o quadro do período das fogueiras, isto também acaba reconfigurando as origens da Wicca. Os acadêmicos nunca aceitaram o mito de uma continuidade da tradição wiccana, e agora muitos wiccanos estão sendo questionados a olhar honestamente para sua história. Em um recente ensaio publicado no jornal de estudos pagãos “Pomegranate” , Cat Chapin-Bishop e Peter Bishop as bruxas dos dias de hoje negam suas raízes, incluindo as ligações com os rituais maçônicos, Aleister Crowley, Yeats e Kipling, a Golden Dawn, a Teosofia, espiritualismo, e muitos outros. Os autores escrevem que: “Os mitos de origem fantasiosa descrito a nós por Margaret Murray, a exorbitante cifra de 9 milhões de mortos no período das fogueiras, tem sido desacreditado, e há agora um consenso geral de que a Wicca é antes de tudo uma reconstrução moderna do que nós pensamos ter sido. Geralmente o que não tem sido reconhecido é a riqueza da herança que temos. Nós parecemos filhos de imigrantes com dificuldades em compreender nossa língua materna... Mas nada nos impede de abraçar as nossas origens sincréticas enquanto ainda preservamos a cisão única da Wicca moderna, com exceção de nossa própria consciência”.
            Esta nova brisa que sopra através da Wicca não está sendo bem aceita pelos mais literais entre nós. Em alguns grupos há uma clara hostilidade contra a história revisionista. Ao ler na Amazon.com algumas opiniões sobre o novo livro de Ronald Hutton, eu notei que muitos estavam descontentes com a visão acadêmica de Hutton argumentando que ele era claramente um “outsider” e não estava a par dos “mistérios interiores”. Do pouco que sei Hutton tem uma longa história com ao menos duas tradições wiccans britânicas. Mas não importa o quão brilhante é “Triumph of the moon” vai ser difícil para qualquer wiccano que se sente desconfortável com mudanças.
            Meu próprio livro Drawing down the moon” , continuamente enfatiza que a grande força da Wicca é seu ponto de vista pagão, politeísta e pluralista. E acredito na noção de que a Wicca e flexível, co-existindo com as noções modernas de liberdade e cientificismo, e que essa flexibilidade existe porque a Wicca não é apegada à uma única verdade. Mas para se honesta, sempre tem havido muitas versões da Wicca, e nem todas elas tem celebrado ou se sentido confortável diante da diversidade e da liberdade.
            O vento da liberdade que está soprando através dos estudos acadêmicos da Wicca provocam medo, assim como excitação. Como membros de uma religião que está crescendo e prosperando é hora de deixarmos a insegurança para trás.

Referência:

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Feministas menos religiosas?

A vida de Carlos Magno contada por um mago