Reflexões históricas sobre o paganismo moderno.

Um dos aspectos mais relevantes dentro do que se entende por paganismo como um movimento moderno, é sua romantização, seu caráter romântico, não num sentido de alienação, pois esta pode ser uma leitura feita por quem não entende o paganismo moderno e apenas o coloca dentro de um contexto de “escapismo”, como foi sugerido pelos primeiros pesquisadores nas décadas de 70 e 80, na verdade até antes, desde por exemplo, Elliot Rose. Acontece que a defesa do paganismo como uma forma de Religião já encontra antecedentes antes mesmo de Margaret Murray, Michelet, ou seja, entre os mais comumente citados. Primeiramente, além do caráter puramente literário de valorização do paganismo, também encontramos argumentos teológicos e morais. Por exemplo, a questão da magia, que como base do paganismo moderno (seguindo a linha de Joanne Pearson) não é algo de hoje. Nesse sentido valorizar o paganismo, é valorizar a magia. A história da magia no ocidente, podemos dizer sem exageros passa definitivamente pela história do neo paganismo, apesar de saber que existem muitos pesquisadores que torcem o nariz para essa conclusão, a magia é uma categoria problemática que foi durante muito tempo relegada a marginalidade das pesquisas acadêmicas, entenda-se essa marginalidade dentro da lógica clássica que distingue magia de religião, sendo a primeira vista como “primitiva”, e a segunda mais “elaborada”, entenda-se a segunda como mais “civilizada”, já que como Pearson coloca, estas são categorias criadas, por acadêmicos brancos, protestantes e intelectuais, ou seja, que tinham uma visão de superioridade européia numa época em que os ritos católicos estavam sendo considerados “superstições papais”. Para os protestantes do século XVIII, XIX, na verdade desde Lutero, o catolicismo era uma religião mágica, medieval, atrasada, essa crítica foi realçada com o Iluminismo. A perpetuação da distinção entre magia e religião ganhou os maiores contornos principalmente com Frazer, que rebaixou a magia a categoria mais primitiva e mais atrasada, para ele a religião nascera do fracasso da magia. O único a buscar um meio termo dentro de todas essas concepções distintivas do século XIX foi Marcel Mauss, que no seu Esboço de uma teoria geral da magia chega a conclusão de que a religião pode estar impregnada de elementos mágicos, assim como a magia pode estar impregnada de elementos religiosos. Essas concepções emergiam dentro de um contexto particular como foi dito, mas na chamada marginalidade, a magia era compreendida de outras formas, até mesmo Malinowski, ficou desconcertado com as concepções mágicas dos grupos espiritualistas e teosóficos da Londres do começo do século XX, não conseguindo compreender aqueles fenômenos. Hoje sabemos que existe uma concepção de magia que remonta à Renascença, uma concepção que não vem do campesinato, mas claro que existe alguns elementos folks podemos dizer, mas  dos tratados de magia e ocultismo que abarrotavam as prateleiras dos renascentistas e  epecificamente da população mais culta. Com uma grande taxa de analfabetismo é de se supor que os livros com instruções cabalísticas, conceitos platônicos, histórias sobre mitologias clássicas, não fossem parar nas mãos de camponeses, mas sim iam para as prateleiras dos que tinham (bem) melhores condições, e mais educação. Claro que esta é uma leitura social da magia, mas que nos explica muita coisa, até mesmo o nascimento da romantização do neo paganismo. Um nome deve ser citado nesta postagem, o de Karl Jarcke que vai ter um papel fundamental nessa valorização, mas outro que deve ser citado no que se refere à magia e o paganismo é o de Jacob Grimm, um dos famosos irmãos Grimm. O iluminismo havia relegado a magia à superstição, à população inculta e analfabeta. Mas como descreve DaxelMüller (1997, 31) com Jacob Grimm “acontece uma virada radical nessas questões, há uma inversão na valorização tanto do objeto religiosos quanto do campesinato”. E mais uma vez a arqueologia terá um papel fundamental na valorização do paganismo (digo mais uma vez porque Murray como sabemos era arqueóloga, apesar de seu “Culto das Bruxas na Europa Ocidental” não ser uma obra arqueológica), e ela que como jovem, mas muito jovem disciplina “acredita ter descoberto crenças rurais e campesinas, testemunhos de antiqüíssimas formas de cultura” (1997, 31). Diferente de outras disciplinas da época a arqueologia valorizou de alguma forma as crenças mágicas. O paganismo agora era valorizado como fonte de central importância ao conhecimento de antigas culturas, o rústico deixava agora de ser estúpido e tornava-se depositário de elementos culturais perdidos no tempo.
Passamos agora para o paganismo entendido como religião. Trevor-Roper descreve que “foi sustentado por alguns escritores especuladores que a demonologia do século XVI, era em essência, um sistema religioso real, a antiga religião pré-cristã da Europa rural que a nova religião asiática de Cristo havia submergido mas nunca completamente destruído. Mas isso é confundir os fragmentos dispersos do paganismo com o sistema grotesco em que foram muito depois arranjados” (2007, 180). Esse “arranjo grotesco” a que se refere Trevor-Roper em seu livro  “A crise do século XVII”, é o que estará presente em muitos livros românticos por assim dizer, mas que buscam explicações científicas e racionais. Acredito que a afirmação de Trevor-Rope é um tanto quanto descontextualizada, pois uma coisa é a valorização romântica, outra são os pressupostos “científicos” desses “arranjos”. Claro que a linha que separa estes dois campos, no que se refere ao paganismo é tênue. Murray não foi a primeira pesquisadora a lançar uma teoria de culto pagão marginal, antes dela temos Karl Ernst Jarcke, que em 1828 “que argumentou que a bruxaria era uma religião natural que se mantivera ao longo de toda a Idade Média até o presente. Era a antiga religião do povo germânico, a qual a Igreja havia falsamente declaro como culto ao Diabo” (Russel e Alexander, 2008, 137) Não sei dizer se Murray conhecia as teses de Jarcke, provavelmente sim, mas não consta em sua bibliografia de "O culto das brucas na Europa Ocidental". Fruto de Jarcke vai ser o ressurgimento da idéia de antiga religião teutônica pelos nazistas anos mais tarde. Os pontos da teoria de Jarcke são muito parecidos com os de Murray, diferenciando num elemento importante, a moralidade religiosa. Murray defende a teoria da distorção por parte dos inquisidores, Jarcke ao contrário vai na linha do que mais tarde seria a visão de Montague Summers sobre culto das bruxas como culto ao Diabo. Para Jarcke, “a bruxaria é uma forma degenerada de paganismo nativo pré-cristão”. Esse paganismo foi condenado pelos cristão e permaneceu entre as camadas populares. Respondeu as perseguições adaptando-se ao estereótipo cristão, tornando-se realmente um culto ao Diabo. Como resultado, as próprias pessoas simples do campo começaram a se afastar enojadas com essas práticas diabólicas e pediram as autoridades para extirpá-las. Para Ronald Hutton, “Num só golpe Jarcke conseguiu uma explicação original que: 1) assim como os liberais também aceitava a não-existência da bruxaria, 2) exonerava de culpa as autoridades que as perseguiram, já que as vitimas faziam parte um culto maligno e anti-social” (1999, 136-137). No estudo do neo paganismo, as questões de legitimidade histórica são muito complicadas e já levaram muita gente que colocou autenticidades em dúvida ao ostracismo, ou lhes deram no mínimo muita dor de cabeça, como no caso de Aidan Kelly. Uma coisa é certa no paganismo moderno, como qualquer outra forma de religiosidade, fatos não falam por si, são todos envolvidos numa aura de crença e fé, se passar disso, acredito que a religião perde imediatamente seu caráter "encantador" (o mistério da fé) e passa a tornar-se impositiva na forma de tentar impor aos outros sua visão de mundo, numa espécie de criacionismo se é que me entendem. Quando se estuda a história do paganismo moderno devemos lembrar das palavras do grande historiador Marc Bloch, “(...) A questão, em suma, não é mais saber se Jesus foi crucificado, depois ressuscitado. O que agora se trata de compreender é como é possível que tantos homens ao nosso redor creiam na Crucificação e na Ressurreição. Ora, a fidelidade a uma crença é apenas, com toda evidência, um dos aspectos da vida geral do grupo no qual essa característica se manifesta. Ela se situa no nó onde se misturam um punhado de traços convergentes, seja de estrutura social, seja de mentalidade. Ela coloca, em suma, todo um problema de clima humano. O carvalho nasce da glande. Mas carvalho se torna e permanece apenas ao encontrar condições de ambiente favoráveis, as quais não resultam da embriologia”. (Bloch, 2002, 58).

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