Pode-se estudar Religião sem ser religioso?

Rudolf Otto um dos expoentes do estudo religioso escreveu um livro chamado "O sagrado" (Das Heilige) em 1917, que descrevia o que seria conhecido como "numinoso", aquele "algo a mais" que todos os homens religiosos teriam. Para ele era impossível estudar religião sem experimentá-la. Vale transcrever aqui o trecho de Otto sobre essa questão. Convidamos o leitor a fixar sua atenção num momento em que experimentou uma emoção religiosa profunda, e na medida do possível, exclusivamente religiosa. Se não for capaz ou se até não conhece tais momentos, pedimos-lhe que termine aqui a sua leitura (2005, 17). Essa passagem ficou famosa pela exclusão de uma análise empírica que leva-se em consideração deixar de lado qualquer pressuposto religioso. O objeto da Religião seria restrito ao homem de fé, por conseguinte, apenas os homens de fé, ou aqueles que já experimentaram o "algo a mais" poderiam compreender de fato o objeto religioso. Antes de mais nada vale citar  Hans - Jürgen Greschat ao dizer que "a forma como os observadores reagem ao objeto religião também depende do lugar e da época de suas existências" (2005, 22). O trecho destacad da obra de Otto é importante porque capta em essência a discussão básica do estudo da religião, quem pode estudá-la. No livro "Constituintes da Ciência da Religião" do Dr. Frank Usarski, há uma entrevista feita com alunos do programa de pós graduação em Ciências da Religião da PUC-SP. Uma delas se refere a essa questão. "Um cientista pode ser religioso? Por quê? De que forma a religião influencia no encaminhamento que o cientista dá a sua pesquisa? Houve uma época na História da nossa disciplina em que se defendia a tese segundo a qual um verdadeiro cientista da religião deveria ser homem religioso ou mulher religiosa. O famoso livro de Rudolf Otto, O Sagrado, elabora essa idéia já no seu primeiro parágrafo. O livro traz a analogia de um crítico de música, para quem a capacidade de avaliar a qualidade de uma obra depende do seu senso musical. O mesmo valeria para a religião cuja  essência se revela somente para um investigador que possui "senso religioso". Achamos que a analogia de Otto é  inadequada, pois um cientista da religião nada se assemelha a um crítico de música. Ele se parece mais com um historiador da arte, que não tem como referência o nível estético de uma pintura, mas se baseia em questões do tipo: Quem era o pintor? Em que circustâncias ele produziu tal obra? Que papel esta obra desempenhava no contexto da produção artística do pintor? Esta pintura é uma obra típica desse pintor? Que influências estílisticas se observam nesta obra? A obra é típica de uma época da arte? De modo semelhante o cientista da religião quer entender os fatores que influenciaram o surgimento e o desenvolvimento da religião investigada. Ele tem o intuito de classificar seu objeto de estudo ao compará-lo histórica e sistematicamente com outras religiões. Para fazer isso, precisa de uma formação científica adequada, um conhecimento geral da história espiritual do mundo, um instrumentário analítico. Se um cientista for ateu ou um indivíduo religioso, será uma opção particular feita na sua vida privada. Mas, quando exercer sua tarefa profissional, deve controlar e disciplinar as próprias preferências ideológicas tanto quanto possível. Nunca se consegue isso totalmente, contudo não invalida a importância do ideal da neutralidade, da objetividade. Tem-se de prestar atenção com valores ocidentais e cristãos. Há uma tendência nas mídias de identificar o Islã com a Guerra Santa, mulheres reprimidas e movimentos fundamentalistas. Um cientista da religião que vê, do ponto de vista de sua religiosidade particular em sua vida pessoal, o islã como um desafio religioso tem de se concentrar para não usar sua autoridade profissional e desdobrar ainda mais os preconceitos já enraizados na consciência coletiva. É melhor que ele se dedique a um assunto mais distante de seus interesses cotidianos". 
Fiz questão de manter todo o texto pois é muito esclarecedor sobre a questão do estudo de uma religião, não só feita pelo cientista da religião. Como podemos perceber o ideal de imparcialidade e neutralidade deve ser uma constante para que não venhamos a cometer erros em prol de nossas próprias aspirações individuais de crença e fé.

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