Ciência X Religião?



“Ciência e Religião, têm em comum bem mais do que fomos levados a esperar a partir dos relatos sobre seus conflitos”
(Herb Gruning)

Ciência e Religião são modos de conhecimento antagônicos que se anulam? Talvez este questionamento seja válido para os dias de hoje. Válido dentro de um prisma de senso comum. Entenda-se este último não como um modo de conhecimento aos moldes propostos pela Sociologia do conhecimento ou pela definição de Clifford Gertz em seu “O Saber Local”, mas no sentido comum do sentido pejorativo mesmo. Ao ler o capítulo “Religião e Ciência” do livro de Herb Gruning “Deus e a nova metafísica: Um diálogo aberto entre Ciência e Religião” (Aleph, 2007), deparei-me com um breve, porém completo, resumo deste fantasioso embate. Falar sobre Ciência e Religião é ainda para a mente moderna ocidental um assunto que gera no mínimo uma dicotomia insuperável que descamba para suposições e temas que vão desde a discussão moral e ética até as origens do universo e da vida, como nos debates entre criacionismo e evolucionismo. De fato identificar e compreender os percalços históricos das supostas divergências entre ciência e religião não é tão simples. Não se trata apenas de uma simples discussão entre materialismo e metafísica, ou entre positivismo e transcendentalismo.
Há algum tempo eu já havia lido um livro de divulgação científica que me veio à memória ao ler o capítulo do livro de Gruning, o livro se chama “Grandes debates da Ciência: As dez maiores contendas de todos os tempos” de Hal Hellman. O título, aliás, não poderia ser mais explicito e para muitos até apelativo. Qualquer tema que de margens a um embate, conflito, disputa, contenda etc. recebe atenção imediata. O capítulo sobre Galileu e seu amigo o Papa Urbano VIII é muito esclarecedor e até hoje o utilizo quando falo de Galileu com meus alunos, já que o caso de Galileu é marcado como sendo uma disputa notória entre Religião e Ciência, fé e razão. Não por coincidência, é justamente o caso de Galileu que abre o capítulo do livro de Gruning. O autor reporta-se a Virginia Stem Owens que descreve que a Igreja não reagira de forma alarmista como muitos pensam em relação as teses copernicanas de Galileu, o problema segundo ela estava em afirmar tais teses como realidade e não como hipótese. Nenhuma hipótese poderia ser colocada como verdade absoluta. Ironicamente, é assim que a Ciência pensa hoje, já que um de seus princípios norteadores, seguindo Popper, é a Falseabilidade.
Mas por que o caso de Galileu pariu a moderna noção de embate entre Ciência e Religião? Gruning cita dois autores chaves para a compreensão dessa ideia de conflito: John William Draper (1811-1882) e Andrew Dickson White (1832-1918). Foram estes dois autores, segundo os historiadores, que são responsáveis por essa noção moderna de embate entre Ciência e Religião. Infelizmente Gruning passa rápido por estes dois autores, então encontrei uma discussão sobre eles muito interessante num livro recente e fantástico organizado pelo Professor Eduardo Cruz, “Teologia e Ciência Naturais” (2011). Nele há um capítulo escrito pelo Historiador da Ciência e Medicina Ronald Numbers chamado “Mitos e verdades em Ciência e Religião: Uma perspectiva histórica”. Ali pude encontrar um resumo bem completo da influência destes dois autores no desenvolvimento da ideia de conflito.
Numbers coloca que a ideia de conflito como caracterizadora da relação Ciência e Religião é a mais generalizante e por que não dizer preguiçosa (por isso minha referência ao senso comum no sentido pejorativo, que me perdoem os sociólogos do conhecimento) da relação entre os dois campos. Os dois livros de História mais lidos sobre a relação entre Religião e Ciência trazem em seus títulos a palavra conflito. John William Draper lançou na década de 1870, “The History of the Conflict Between Religion and Science. Andrew Dickson White, historiador da Universidade de Cornell, Nova York, escreveu um tratado intitulado “History of the Warfare of Science with Theology in Christendom (final da década de 1860). White localiza as principais querelas entre o “saber científico” e o “religioso dogmático” no período da chamada Revolução Científica, entre os séculos XVI e XVII. Segundo White, Galileu, um arauto da Ciência havia sido torturado e humilhado como o pior dos incrédulos. 



Segundo Numbers, contrariamente do que as histórias (preguiçosas) costumaram enfatizar desde então: “sabemos hoje que aparentemente ele [Galileu] nunca foi fisicamente torturado – ele pode ter vivido um sofrimento mental considerável, mas nunca fisicamente torturado. Ele deixou a cidade de Florença e foi para Roma em 1633. Quando lá chegou – para seu julgamento -, permaneceu inicialmente na Embaixada de Toscana e não em uma prisão ou gabinetes da Inquisição. Os poucos dias que passou dentro do Vaticano durante seu julgamento não foram dentro de uma cela, mas em um apartamento especial com três cômodos disponibilizado para ele como convidado de honra de um dos padres que faziam parte da Inquisição. Para tornar sua estada o mais agradável possível, permitiram que suas refeições fossem preparadas pelo cozinheiro chefe na Embaixada Italiana e trazidas a essa ‘não cela’” (Numbers 2011, 201).
Obviamente estou descrevendo o que li de um caso que sempre é trazido a baila quando o “conflito” é invocado. Não estou dizendo com isso que não haja embates, mas sim que generalizações que buscam concentrar a relação da Religião e da Ciência como campos antagônicos que se encontram dentro de um eterno conflito é uma tentativa preguiçosa e inculta de observar essa relação. Haja vista o caso de Galileu

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Feministas menos religiosas?

A vida de Carlos Magno contada por um mago