Notas de campo 1
Anoitecendo no Rancho |
Bom, como eu havia dito no
post anterior, fiquei preocupado sobre não encontrar muitos grupos aqui na
Flórida. Meu foco até então estava mais voltado às observações de campo que
seriam realizadas depois de Julho na Califórnia. Porém, para minha surpresa descobri
que a comunidade pagã na Flórida é uma das mais ativas e possui grandes
festivais. Um exemplo é o Florida Pagan Gathering que reúne cerca de três a
quatro mil pessoas em seus cinco dias de evento. Este que eu fui no final de
semana era, digamos, bem menor, contudo não menos interessante.
Os preparativos começaram
praticamente duas semanas antes. Estamos em Gainesville e o evento seria na
comunidade All Word Acres que fica na cidade de Plant City a mais ou menos 2
horas e meia de carro. É uma cidade bem interiorana mesmo, com muitas fazendas
e plantações.
Nossos preparativos começaram
com o planejamento da rota. Isso mesmo. Fomos sem GPS, só com as placas e com
slides dos trechos salvos do google maps. Ainda no Brasil, achei que não
haveria necessidade de levar minhas tralhas de camping, ledo engano. Tivemos
que dar uma apertada no orçamento por aqui para nos equiparmos com barraca,
colchão e outras coisas do tipo.
O evento foi organizado pela
própria comunidade que mora no rancho. O valor para a inscrição era 25 dólares
por pessoa, como foi eu e minha esposa, outra apertada no orçamento. Mas tudo
pela pesquisa. Decidimos levar nossa própria comida, se não teríamos que pagar
7 dólares de almoço e 10 de jantar. Ops! Aí não dá. Mas como tudo é pelo bem da
pesquisa, acabamos por almoçar um dia para experimentar as receitas da
comunidade.
Bom, fomos até o Aeroporto e
pegamos o carro, partimos de Gainesville às 14 hs e chegamos lá pelas 17hs.
Depois de umas erradas de caminho, duas para ser mais exato conseguimos achar a
estrada do rancho e seguimos procurando o unicórnio. Isso mesmo, nossa
referência era uma placa com um unicórnio.
Entrada do local |
A placa indicava a entrada do
rancho, diga-se de passagem, a localização e a estrada de terra que dava acesso
ao rancho me lembrou muito a Chácara Templo da Deusa em Brasília do pessoal da
TDB. Depois de estacionarmos, antes mesmo de descarregar, fomos fazer o registro.
Seguindo até a pequena casinha
de madeira que servia de escritório central e cozinha da comunidade, parecia que
havíamos voltado no tempo, na década de 60. Bateu uma nostalgia hippie. Num
descampado mais ao norte do estacionamento motorhomes estavam estacionados e
bagagens estavam sendo descarregadas. Perto da pequena casinha alguns grupos montavam suas barracas e outras já estavam preparadas para os vendedores. Havia de tudo, fumos com
misturas de plantas indígenas nativas, bebidas produzidas no local, pedras, cristais,
enfeites, mandalas, tarôs, enfim havia uma pequena e rústica feira esotérica
para abastecer os frequentadores com qualquer ferramenta mágica que fosse
necessária.
Vista do estacionamento dos motorhomes |
Como havíamos feito a
inscrição pela internet, precisávamos apenas confirmar nosso nome na lista. Após sucessivas
tentativas de tentar explicar como se pronunciava meu nome para uma senhora na recepção (já passei por isso
na Inglaterra), eles acham um pouquinho difícil falar Celso, nos foi permitido
entrar com o carro na área de camping para descarrega-lo. Foi uma verdadeira
aventura passar com o carro pelo local, já que não era um descampado. Havia uma
pequena estrada que ia serpenteando por entre as árvores e entre a vegetação podia-se ver os espaços onde as barracas estavam montadas. Pensamos em
ficar mais para trás, mas achamos melhor colocarmos a barraca lá para a frente perto de onde seria realizado o ritual principal.
Quando estávamos descarregando
o carro, um homem veio até nós sorridente e nos perguntou de onde éramos. Era
Adrew, uma das pessoas que fizemos
amizade por lá. Dissemos que éramos do Brasil, e ele comentou que tinha muitos
amigos brasileiros. Quando terminamos de montar a barraca Andrew trouxe um dos
organizadores e residentes da comunidade para nos conhecer, era Richard, que já
chegou nos abraçando e desejando uma boa estadia. Disse que não falava português,
mas que fazia questão que conhecêssemos uma pessoa que falava. Mais tarde ele
nos apresentou a uma das expositoras que falava português, mas apenas poucas palavras, como ela nos fez questão de mostrar, “obrigado”, “como vai você” e “de
nada”. A conversa fluiu melhor em inglês mesmo.
No resto do dia ficamos
circulando e conversando com as pessoas. Como não havia uma programação prévia,
não sabíamos o que aconteceria a noite, parecia que ninguém sabia. Encontramos
novamente Andrew que nos convidou para uma roda de fogueira. Só depois ficamos
sabendo que rolou uma Sweat Lodge, uma prática nativo americana em que se faz
uma sauna cujo objetivo é a purificação espiritual. Infelizmente não
participamos, porém nos juntamos a roda de fogueira onde uma orquestra
improvisada conduziria a uma Jam session
ao luar. Andrew logo me passou um tambor que comecei a tocar num ritmo de base
grave e ele foi acompanhando com um mais agudo, fomos seguidos por um violão e
um violino, depois uma flauta doce entrou junto com uma ocarina e a sinfonia
desconexa começou a ganhar forma. Não demorou para que algumas pessoas
começassem a dançar em volta do fogo, com alguns se arriscando a saltá-lo. Um
cara nu passou correndo, enquanto a música dava o tom da energia.
Depois de várias músicas e
danças, fomos para a barraca, pois haviam disponibilizado um cronograma improvisado
no quadro de recados do escritório, cozinha. Às 10hs da manhã haveria aula de yoga, depois
às 11hs30 haveria uma aula de meditação, em seguida o almoço, depois um
workshop curiosamente chamado “to shield or not to shilde, That is the question”.
Fizemos as aulas e o workshop
e depois fomos tomar um banho, antes do ritual principal que aconteceria às
16hs, mas começou com um atrasinho e rolou às 17hs.
O banheiro era servido por
cinco chuveiros, três cabines fechadas de madeira e dois chuveiros com
cortinas. A água era quente, porém havia um cheiro de barro, provavelmente a água
era reaproveitada ou captada de uma mina. Na parte de trás haviam os vasos
sanitários e um banheiro com três grandes espelhos com uma pia, e um lavabo com
duas pias. Havia também quatro cabines com vasos sanitários e várias inscrições
de bênçãos e frases pagãs por toda a parte.
Paredes inspiradoras |
Depois do banho, todos estavam
no descampado onde seria realizado o Maypole. Andrew e sua esposa Veronica
foram escolhidos como os casais que guiariam a comitiva até o centro campo onde
estava o mastro do Maypole. Para eles era uma grande honra ser escolhidos como
casal principal. Esse era o principal ritual do Beltaine. Este período, é tradicionalmente
conhecido na cultura pagã como o mais alegre dos festivais e simboliza a
entrada do verão e a morte do inverno. O Beltaine marca o início do desabrochar
da natureza, e é comemorado num contexto de fertilidade. Os homens foram encarregados
de levar o mastro, símbolo fálico, enquanto a comitiva ia atrás e Andrew e
Veronica dançando à frente. Ao chegarem no local, o buraco onde seria colocado
o mastro foi previamente abençoado com oferendas pelas mulheres. Este local
simbolizava o útero a ser fecundado. No início cada mulher pôde escolher que oferenda
seria ofertada no local. Haviam três que simbolizavam as três faces da Deusa,
donzela, mãe e anciã. A oferenda para a donzela era o vinho, a da mãe era o
milho e da anciã eram ervas. O vinho como representante da juventude, o milho
como a semente da mãe que gera e a erva simbolizando a sabedoria.
O mastro de Maypole |
Os homens chegaram com o
mastro e em gritos de prazer foram introduzindo o mastro no buraco. O clima era
de festa. Não era permitido fotografar. Existem muitas restrições em relação ao
uso de imagens nos festivais pagãos por aqui, principalmente devido a questão da perseguição
e preconceito que muitos dizem sofrer, qualquer imagem deveria ser previamente
autorizada. Por isso toda hora dizíamos que gostaríamos de tirar uma foto.
Introduzido o mastro começou a roda que vai girando para que as fitas sejam enroladas no mesmo.
Introduzido o mastro começou a roda que vai girando para que as fitas sejam enroladas no mesmo.
O ritual principal |
Depois do ritual, ameaça de
chuva, alguns ficaram e outros desmontaram acampamento, inclusive nós. Já
passava das 18hs e nenhum ritual aconteceria, alguns motorhomes também já
estavam de partida. Nesse clima de correria de chuva só deu tempo de despedir
das amizades mais próximas e cair na estrada. Foi uma experiência (não, sempre é) ir nestes festivais tanto no Brasil como na Inglaterra, com aqui nos Estados Unidos. É interessante ouvir as histórias de vida das pessoas que ali estão, mesmo que muitas não sejam pagãs, se denominando espiritualistas, new agers, entre outros até mesmo budista, como no caso de Andrew. O que se vê é que a religião, numa leitura bem clássica, cumpre um papel de integração e fortalece a ideia de comunidade. Isso é algo relevante, já que sempre ouvimos dizer que a religiosidade pós moderna, em sua face Nova Era, é a expressão máxima do individualismo do homem hodierno. Agora é preparar para o próximo,
que venha o Florida Pagan Gathering.
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