A vida de Carlos Magno contada por um mago

Este é um daqueles livros que insistem em encará-lo lá do canto de sua estante. Sabe aqueles livros que você tem, não lembra onde adquiriu, porém parece que sempre esteve lá? Pois é, este Carlos Magno de Allan Massie é meu exemplar perene. Ele não é único, outros títulos ainda esperam por uma leitura que não se resuma a uma simples passada de olhos ou de espanador. Bom, decidi iniciar a leitura desta "biografia" depois de uma tentativa frustrada de me aventurar pelos campos da ficção no estilo capa e espada. Não consegui. Mesmo assim queria uma leitura que exalasse aventura e principalmente elementos históricos, por assim dizer, menos fantásticos. A leitura veio em boa hora, pois havia terminado de ler alguns livros técnicos de concurso público e precisava descansar a mente com uma leitura prazerosa. Por isso acredito que gostei tanto do livro.

O autor? Allan Massie, jornalista e historiador. Possui uma vasta obra composta principalmente de biografias e romances históricos. Carlos Magno: A vida do Imperador do Sacro Império Romano é o terceiro volume de uma trilogia, sendo o Primeiro volume O Crepúsculo do Mundo e o Segundo, O rei Artur (publicado no Brasil oportunamente no mesmo ano que o filme homônimo de 2004). Mesmo sendo uma trilogia, os livros podem ser lidos de modo independente, apesar de terem uma lógica metanarrativa e cronológica que os ligam, a saber: a Roma Eterna, ou seja, o império sem fim. 

Infelizmente se você estiver buscando uma biografia de Carlos Magno, este não é o livro certo (sugiro a leitura do calhamaço de Jean Favier Carlos Magno. Estação Liberdade, 2004). Felizmente, se você procura um livro que tenha como uma de suas personagens o rei carolíngio e que de quebra possua uma narrativa aventureira e fantástica (Quem diria hein?) esse é o livro certo.

Para que se possa compreender esta narrativa seria interessante o leitor retornar ao menos no prefácio do primeiro volume "O crepúsculo do mundo: um romance da Idade das Trevas" para entender o processo de elaboração desta trilogia. Segundo nos conta Massie, no ano de 1999 um amigo lhe apresentou alguns manuscritos que pertenciam a seu avô. Os documentos antigos eram atribuídos à Michael Scott (1175-1235), um teólogo e matemático escocês, considerado por muitos um mago, que no início do século XIII atuou como tutor do jovem imperador Frederico (1194-1250), neto do grande Frederico Barbarossa (1122-1190).

Massie observou que os manuscritos haviam passado pelas mãos de dois editores, o primeiro deles se identificando como um templário e o segundo, um erudito rosa-cruz da "corte mágica" do imperador Rodolfo. 


                                                                       Michael Scott

Michael Scott, segundo Massie, escrevera tais documentos com o objetivo de instruir o jovem imperador Frederico de quem era tutor. A narrativa idealiza os heróis míticos e reais no sentido de transmitir ao jovem os valores mais elevados relacionados a nobreza. Interessante notar, contudo que em muitos trechos Scott, que é o narrador da história, faz questão de se colocar como um cético que busca separar aquilo que considera lenda do que acredita ser realidade. Se ele consegue ou não, cabe ao leitor decidir. 

Carlos Magno, assim como seu sobrinho Rolando que domina a narrativa na segunda metade do livro, são heróis com uma longa história no imaginário medievo. O grande historiador francês Jacques Le Goff em seu pequeno, porém delicioso livro Heróis e maravilhas da Idade Média (Vozes, 2009) descreve que o imaginário medieval transformou Carlos Magno em um mito ainda em vida. As guerras e conquistas, bem como sua ascensão ao poder e principalmente sua coroação como imperador no natal de 800 contribuíram, segundo Le Goff, para a construção da imagem mítica de herói. Além disso, em 840, Eginhardo (770-840), um aristocrata francês que conviveu com Carlos Magno em seus últimos anos escreveu um grande poema épico chamado Vida de Carlos Magno inspirado em grande parte em outra obra edificante da Antiguidade, A vida dos doze Césares de Suetônio (69-141). A idealização de Carlos Magno neste sentido está relacionada a uma série de informações, lendas e histórias que foram sendo difundidas ao longo do final da Idade Média e que contribuíram para coroar o imperador do Sacro Império Romano Germânico como herói.

Outra personagem importante que aparece no livro é o sobrinho de Carlos Magno, Rolando, um jovem guerreiro que se apaixona pela bela Angélica. A paixão, retratada como uma doença, leva Rolando a um estado de melancolia que beira a loucura, incapacitando o jovem a pensar e raciocinar. Os amigos de Rolando, fiéis a seus pais buscam ajudar o jovem e vão a lugares distantes atrás de uma cura. Por fim, Rolando é curado desta paixão e volta para o exército de seu tio. A narrativa que se segue é praticamente baseada no poema épico “A Canção de Rolando” (1100).

Carlos Magno enfrenta os sarracenos na Espanha. Nas fileiras de combate carolíngias há aqueles que se aliam a belicosidade de Rolando e àqueles que se aliam ao pacifismo de Ganelão, outro comandante. Carlos Magno, segue o conselho deste último e propõe um acordo de paz com Marsílio, rei sarraceno de Saragoça. No entanto, Ganelão, com ódio de Rolando, trama uma armadilha contra o jovem guerreiro. Quando o exército franco se coloca em retirada, os sarracenos traiçoeiramente atacam a retaguarda do exército comandado por Rolando. A batalha travada no desfiladeiro de Roncesvales, nos Pirineus põe fim a vida de Rolando. Numa cena que lembra bastante a morte de Boromir no Senhor dos Anéis, Rolando morre com sua trompa nas mãos. 


         Iluminura representando a Morte de Rolando na Batalha de Roncesvale (778) de Jean Fouquet

Historicamente não há informações sobre Rolando e além de seu poema épico só encontramos referência a este herói em “A vida de Carlos Magno”. Claro que não estou considerando a descrição do nosso saudoso fidalgo Dom Quixote que afirmava ter conhecido de fato o herói a quem descreveu como de "estatura mediana, ombros largos, meio cambaio, de rosto moreno e de barba ruiva, corpo peludo e de olhar ameaçador, de poucas palavras, mas muito comedido e educado". 

Referências cervantescas à parte, devo confessar que iniciei a leitura deste livro sem muita confiança. Já havia lido os dois primeiros volumes, mas estava adiando a um tempo a leitura deste, principalmente devido a várias resenhas negativa que vi sobre o livro. Porém, insisti e por fim gostei. E digo mais, Scott, o narrador nos dá conselhos interessantes.

“(...) quem quer que siga os árduos caminhos da erudição descobrirá que o desejo por conhecimento não fenece nem murcha, mas continua a se aprimorar e a se avivar. Isso, meu Príncipe, é o que significa ser um homem. A mente e o espírito podem ainda procurar aventura, mesmo quando o corpo enfraquece.”   _Michael Scott.

Se interessou pela vida e época deste imperador medieval? Então segue algumas dicas:

FAVIER, Jean. Carlos Magno. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.

SYPEC, Jeff. Tornando-se Carlos Magno: Europa, Bagdá e os impérios do século IX. Rio de Janeiro: Record, 2012.

PIRENNE, Henri. Maomé e Carlos Magno: O impacto do Islã sobre a Civilização Europeia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.  



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